A meta de L.,19 anos, um jovem infrator internado em uma unidade da Fundação Casa, em São Paulo, para cumprimento de medida socioeducativa, não era mudar de vida ou reconquistar a liberdade. O desejo manifestado pelo garoto era matar o coordenador da Fundação Casa e ser transferido para uma prisão de adulto, um CDP (Centro de Detenção Provisória), e com isso ingressar no PCC (Primeiro Comando da Capital), a maior facção criminosa do Brasil.
E foi justamente o que ele tentou fazer na manhã de 31 de dezembro de 2019, véspera de Révellion. L. tinha 18 anos e estava internado na Fundação Casa havia dois meses por um latrocínio (roubo seguido de morte). O garoto quebrou um azulejo da sala onde cumpria a medida socioeducativa e simulou que pretendia se autolesionar com um pedaço da peça. O coordenador de equipe da unidade, um agente de 39 anos, foi chamado às pressas. Ao se aproximar do interno, o coordenador foi agarrado pelo pescoço. O jovem ameaçou cortar a jugular da vítima. Outros dois funcionários tentaram acalmá-lo.
O infrator dizia que iria matá-lo porque queria ser transferido para uma prisão dominada pelo PCC para “fechar” (ingressar) na facção. O coordenador de equipe entrou em luta corporal com o interno e sofreu ferimentos leves no pescoço e na mão direita. Os outros dois funcionários o ajudaram a imobilizar o jovem. Segundo funcionários da Fundação Casa, o garoto agressor já tinha um histórico de violência. Ele foi internado pela acusação de ter roubado e matado uma vítima por enforcamento.
Em depoimento, jovem afirma querer “fechar” com PCC Ao ser ouvido na Polícia Civil, o interno declarou que era bandido e não queria ficar na Fundação Casa. Afirmou que queria ficar em um presídio para “fechar” com o PCC. E acrescentou que se não fosse removido iria matar um agente por dia na Fundação Casa. Para o escritor, jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso, do NEV (Núcleo de Estudos de Violência) da USP, muitos jovens infratores têm fetiche em ingressar no PCC porque a facção tornou-se uma marca, um símbolo, uma espécie de governo do crime. Paes Manso afirmou que, para esses jovens infratores, ingressar no PCC significa uma ascensão: “do mesmo jeito que um trabalhador sonha em ser diretor da empresa um dia, esses garotos querem entrar na facção para fazer parte da elite do crime”, acrescentou.
O pesquisador disse que o PCC domina vários mercados, como o das drogas, vendas ilegais de terrenos, entre outros negócios ilícitos, tornando essas atividades ilegais atrativas entre os criminosos. “Esse poder da facção exerce o fetiche, atrai os jovens. Eles também querem ser poderosos e ganhar destaque nesse mundo violento.”
Menor vai para júri popular, define Justiça L. conseguiu o que queria. Foi indiciado no mesmo dia por tentativa de homicídio e transferido no dia seguinte para o CDP 1 (Centro de Detenção Provisória) de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, unidade prisional dominada pelo PCC. O jovem agora tem um número de matrícula no sistema prisional de São Paulo.
No dia 2 de fevereiro de 2020, a Justiça revogou a aplicação da medida socioeducativa imposta ao infrator. Oito meses depois, mais precisamente em 10 de outubro do ano passado, o rapaz foi denunciado por tentativa de homicídio à Justiça pelo MPE (Ministério Público Estadual).
Na última segunda-feira (18), o juiz Adilson Paukoski Simoni decidiu pronunciar (levar a júri popular) o rapaz. Quando foi ouvido em audiência judicial, o réu preferiu ficar em silêncio.
O garoto vem sendo assistido juridicamente por advogados do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa). A instituição tem convênio com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Os defensores do jovem alegam que a denúncia contra ele é inepta e que a acusação é genérica, desprovida de fundamentação e detalhamento. Os advogados sustentam que não há nenhum indício contra o rapaz e sim apenas uma acusação infundada.
Já para a Justiça, as provas testemunhais e materiais acenam para a materialidade e há indícios suficientes de que o rapaz tentou dolosamente matar o agente da Fundação Casa, por motivo torpe, para ser transferido para um CDP e ingressar no PCC.
Foi no ano de 2003 que surgiram as primeiras notícias da ligação de jovens infratores em cumprimento de medidas socioeducativas com a maior facção criminosa do país. As suspeitas eram sobre a possível existência de um PCC-Mirim em unidades da Fundação Casa. A instituição e as autoridades policiais sempre disseram que isso jamais existiu.