Passagens aéreas: o absurdo que virou viajar de avião no Brasil

Os preços das passagens aéreas têm pesado cada vez mais no bolso dos brasileiros e os dados oficiais mostram o quão absurdo ficou viajar de avião no Brasil. Somente no último trimestre de 2023, a alta acumulada dos bilhetes foi de espantosos 81,9%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E as justificativas do setor para a disparada sem fim dos preços são as mesmas dos anos anteriores.

Não é de hoje que o custo das passagens aéreas tem castigado os consumidores. Desde 2021, o preço dos bilhetes acumula altas acima dos dois dígitos — 16,7% naquele ano, 24% em 2022, e 48,1% em 2023. Em dezembro, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), considerado a prévia da inflação oficial do país, mostrou que as passagens aéreas foram o grande vilão inflacionário.

Só nas viagens dentro do país, a alta nos preços das passagens foi de 35,2%, entre janeiro e novembro de 2023, segundo o IBGE. O último levantamento da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), divulgado em outubro, mostra que o valor médio do bilhete foi de R$ 741,47 – o maior da série histórica iniciada em 2010. No mesmo período do ano anterior, esse preço estava em R$ 669,12 (10,8% mais barato).

Justificativas para a disparada dos preços

Segundo especialistas ouvidos pelo Metrópoles, três fatores principais são apontados pelo setor como justificativa para a alta das passagens aéreas no Brasil: a valorização do dólar frente ao real nos últimos anos; o aumento no preço do querosene de aviação (29,3% no acumulado entre 2022 e 2023); e a reestruturação do setor aéreo após a pandemia de Covid-19, que impactou drasticamente as companhias aéreas.

“Há um problema estrutural. Na pandemia, como todo o setor de transportes, o segmento aéreo sofreu muito e não recebeu nenhum grande incentivo, diferentemente do que ocorreu com o transporte público urbano de massa, como o metrô, o trem ou mesmo os táxis. As empresas tiveram de manter uma infraestrutura cara mesmo sem voos, sem passageiros, sem vender passagens. Para um setor que é caro e tem praticamente todos os seus custos em dólar, é um cenário complexo e desafiador”, explica André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

De fato, em 2020, no primeiro ano da pandemia, quando o setor de aviação foi duramente atingido pelas restrições impostas para o combate ao coronavírus, os preços das passagens recuaram mais de 27% em maio e 26% em junho. Mais para o fim do ano, voltaram a subir.
Demanda alta

Outro ponto fundamental, destaca Braz, é a demanda que se mantém elevada, mesmo diante de preços mais altos. “Mesmo com os preços subindo tanto, nós temos aeroportos ainda lotados. Isso faz com que os preços não cedam tanto. É a lei da oferta e da procura”, diz. “A aviação é um negócio como outro qualquer. Se você fixa o preço lá em cima e, ainda assim, está conseguindo vender passagens, é porque você está praticando o preço certo. As empresas só vão sentir a partir do momento em que o consumidor disser ‘não’ para esses preços e optar por outros tipos de transporte. Isso deve acontecer gradualmente.”

Carla Beni, professora de MBA da FGV, também destaca o movimento do consumidor como preponderante para o comportamento dos preços no setor aéreo. “Houve uma mudança de comportamento do consumidor depois da pandemia. São consumidores que resolveram realizar desejos e sonhos que estavam adormecidos, como as viagens. Depois da pandemia, as pessoas desejaram voltar a viajar”, observa.

Segundo Beni, houve, nos últimos anos, “um aquecimento gigantesco do setor de turismo e eventos em geral”, o que impulsionou as viagens pelo país. “Tudo isso deu um dinamismo muito grande para o setor aéreo. Criou-se uma demanda, que está absorvendo esse aumento de preços. Em outras palavras, as pessoas estão aceitando pagar mais caro pelas passagens”, explica.

“Se tem demanda, por que vão reduzir os preços? As pessoas estão absorvendo esse patamar para as passagens. Todo mundo reclama, mas todo mundo paga. Os voos estão lotados, em sua maioria. E este é um fenômeno global no pós-pandemia, não apenas do Brasil”, afirma Beni.

Medidas do governo

Em meados de dezembro, o governo federal anunciou algumas medidas com o intuito de diminuir os preços das passagens aéreas no país. O anúncio, feito em conjunto entre o Ministério de Portos e Aeroportos e representantes das principais companhias do setor no Brasil, se baseou na promessa de aumentar as ofertas de assentos aos clientes com valores promocionais.

A Azul, por exemplo, se comprometeu a oferecer 10 milhões de assentos por até R$ 799 em 2024. A Gol prometeu 15 milhões de assentos com preços até R$ 699, além de ações promocionais a cada semana. Em ambos os casos, no entanto, o teto de preço estabelecido para os 25 milhões de assentos oferecidos pelas duas empresas está acima do valor do tíquete médio calculado pela Anac.

A Latam, por sua vez, não fixou um lote de passagens com preços reduzidos, mas informou que fará promoções semanais para um destino específico por valores sempre abaixo de R$ 199.

Além das medidas anunciadas pelas companhias aéreas, o governo federal informou que, por meio do programa Voa Brasil, serão destinadas passagens por até R$ 199 para aposentados e beneficiários do Programa Universidade para Todos (ProUni). Os detalhes devem ser anunciados até o fim do mês.

“Programas do governo são sempre bem-vindos, mas têm de ser vistos com algum cuidado”, pondera André Braz, da FGV. “Incentivos para a terceira idade são salutares, é um público específico, tem maior flexibilidade e não precisa enfrentar períodos de alta demanda para viagens. Pode viajar na baixa temporada, na qual os custos são mais baixos. Esses programas podem ajudar, mas não vão resolver esse problema estrutural. Você precisa dar os incentivos corretos para que as empresas possam se equipar melhor”, avalia.

Segundo Braz, para além da oferta de passagens promocionais e de benefícios a grupos específicos, o governo deveria se preocupar com a “abertura de mercado”, mas “com cuidado”.

“Você pode convidar outras companhias aéreas a participarem desse mercado para haver uma competição saudável sobre preço. Mas não é para ter uma competição predatória”, diz. “Não é para uma empresa superpoderosa, com uma margem enorme, entrar no mercado e matar as outras que existem. Não é bem assim. É preciso ter um bom planejamento para aquecer o setor aéreo.”

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