Covid-19: o cataclisma atual requer nova abordagem dos gestores em saúde pública


David Silva – Admnistrador de Marketing.
É ex gestor de planejamento e inovação da prefeitura de Várzea Paulista

Considerando o exemplo do restante do mundo, os serviços de saúde no Brasil precisam estar preparados para uma verdadeira explosão na procura por serviços de pronto atendimento. Pois, apenas nos primeiros 11 dias de 2022 o número de casos de covid-19 diagnosticados em todo o mundo, aumentou quase 10%.

A discrepância entre dados locais e mundiais é um alerta

O Brasil registrou, no fim de 2021, o aumento de 500% no número de casos gripais. E agora enfrenta o aumento dos casos de covid-19.  Na região metropolitana de Jundiaí (Jundiaí, Várzea Paulista, Itupeva, Louveira, Jarinu, Cabreúva e Campo Limpo Paulista) por exemplo: o baixo número de casos confirmados contrastam com a fila dos postos, que se avolumam nos serviços de pronto atendimento.

Seguindo o mesmo itinerário das ondas anteriores, o “cataclisma ‘covídico’” inicia na Europa e segue para os Estados Unidos até chegar à América do Sul. Dessa vez a diferença é que estamos todos, ou melhor quase todos, mais protegidos imunologicamente. Por exemplo, o Brasil, tem o segundo maior contingente de vacinados em todo o mundo (em números proporcionais perde apenas para o Japão e em absolutos perde apenas para os Estados Unidos).

Ômicron: a cepa da vez

O inimigo da vez é a cepa ômicron, que chega com alto índice de transmissão. Porém, os dados preliminares apontam para um baixo índice de hospitalizações e mortes. Portanto, essa variante é, ao mesmo tempo, a mais transmissível e é a menos letal.

Isso não significa que o sistema não irá saturar. Pois, a procura pelos serviços de pronto atendimento tende a crescer, e inclusive atingir ao ponto de que a demanda seja muito maior do que a oferta. Isso pode resultar em filas, aumento no tempo de espera e queda na qualidade do atendimento aos usuários.

Alerta aos gestores de saúde

Nas ondas anteriores, a preocupação dos gestores de saúde era com a demanda dos serviços que tinha como carro chefe a necessidade de internação. Pois era preciso providenciar a quantidade de leitos necessária. Agora o ponto crítico concentra-se no pronto atendimento. Considerando que os pacientes chegam mais exigentes e ansiosos, devido a experiência passada. Essa excitação dos pacientes pode frustrar as suas próprias expectativas Pois já abstraíram uma ideia muito peculiar acerca do que seria um atendimento apropriado para a sua queixa.

Isso representa um enorme risco de frustração para todos. Pois, os desafios envolvidos na oferta de um atendimento satisfatório serão mais críticos agora com pacientes menos fragilizados e com mais informações do que há um ano.

Capacitação dos profissionais da linha de frente e gestores

Uma avalanche de efeitos se apresenta sobre profissionais da área da saúde, dirigentes das unidades, e muito especialmente sobre os prefeitos, junto à nova onda da covid-19.  Pois, nas anteriores, ao lidar com os efeitos iniciais da pandemia, os mandatários municipais foram bem avaliados pela população, tanto que, 63% dos que disputaram a reeleição tiveram êxito.

Assim entendemos que as ações de enfrentamento ao coronavírus, agora, devem satisfazer uma população ainda mais exigente. E com os mesmos recursos que promoveram a avaliação positiva das administrações. Portanto, o desafio é manter a qualidade do atendimento, que se pode apresentar em tese ser mais fácil de ser realizado, mas traz peculiaridades pontuais.

O risco do excesso de informações em tempo de pós-verdade

A proliferação de informação, mexe com a expectativa do paciente e faz com que muita gente chegue nos serviços de saúde com uma análise equivocada. Ou seja, reivindicando exames, tratamentos clínicos e até uma certa preferência no atendimento em relação a outras doenças. Isso deve acentuar o atrito entre pacientes e os profissionais da área de saúde, causando uma experiência ruim para ambos.

Os Governantes que no passado foram obrigados a olhar para serviços de altíssima complexidade (UTI, Intervenções Cirúrgicas, Suporte Ventilatório Mecanizado), terão de voltar suas atenções para aquela parcela do serviço classificado como baixa complexidade, que é o pronto atendimento. E que, em nenhuma hipótese, pode ser negligenciada, pois trata-se do cuidado ao paciente consciente.

Essas atividades (recepção, orientador de acesso, portaria, segurança, atendentes), por muitas vezes deixadas em segundo plano na gestão das empresas, também costumam receber o mesmo tratamento no sistema de saúde. Ou seja, para a nova demanda é necessária uma adaptação a um serviço personalizado. Um desafio grande, porém, possível.

Capacitar para a comunicação

Esse esforço de gestão sobre a expectativa e a percepção de pacientes e até mesmo dos colaboradores da área da saúde, não pode confundir-se com técnicas de manipulação de opinião. Pois são recomendações cientificamente consagradas e adotadas mundo afora em centros de excelência de serviços de saúde.

No Brasil já pode ser observada nos grandes hospitais da iniciativa privada. O comportamento do paciente tem papel decisivo na própria satisfação, mas não porque o serviço é dirigido a ele que pode ser dirigido por ele. Desde o momento que a pessoa vai para um estabelecimento de saúde, o volume de decisões tomadas são muitos. Ou seja:

  • aonde ir,
  • com que condução,
  • por onde entrar,
  • onde se sentar?

Quem atende deve cuidar para que ela seja rapidamente notada, tenha suas queixas adequadamente compreendidas e medicadas. Ao passo que o estabelecimento deve ser adequado a todas essas nuances. Para dar conta de atender a pessoa em sua doença, responder racionalmente às expectativas e a percepção dos envolvidos.

A comunicação, nesse caso, se mostra decisiva para um momento tão crítico como o que se inicia. Além de direcionar o itinerário do atendimento logo no início da experiência. Ela fornece elementos que sejam facilmente absorvidos pelos pacientes, de modo a humanizar o processo do atendimento.  Isso demanda a qualificação dos profissionais envolvidos.

Sim, é possível

Todo esse contexto transmite insegurança e aperta o gatilho das lembranças recentes. Pois, foram 2 anos de muita tensão e angústia. Pois o cenário era de guerra. Um caos que há muitas gerações não ocorria. É absolutamente normal e justo ter medo. Ao passo que podemos usar a metáfora do copo pela metade. Há quem o veja meio cheio e os que enxergam meio vazio.

A boa notícia é que podemos olhar o copo como metade cheio, porque as condições possibilitam. Pois:

  • a população está, em grande parte vacinada;
  • os profissionais de saúde têm maior conhecimento dos procedimentos em casos graves;
  • os gestores municipais conhecem os protocolos a serem seguidos, considerando o número de contágio;
  • a cepa ômicron é menos letal, especialmente aos vacinados.

Considerando estes fatores, acrescentamos que, como apresentamos no texto, o desafio é otimizar o pronto atendimento. Para isso é preciso ver o paciente além dos sintomas. Dessa forma oferecer um atendimento humanizado e digno. Com todo o cuidado para solucionar, também, duas angústias.

Outra ação, que faz parte da gestão, é preparar e dar condições aos profissionais. Pois, eles também são parte do grupo que sofreu nos piores momentos da pandemia. Portanto, fornecer a capacitação, o apoio psicológico, flexibilização nas cargas horárias e manter o pagamento em dia, é primordial.

Assim, vemos que é possível transpor a onda atual da pandemia com a maior redução de danos possível. Para isso é preciso agir quanto:

  • a comunicação, para que seja clara e sem ruídos. Combatendo as fake news;
  • conhecimento da persona do paciente que busca o atendimento;
  • a saber onde concentrar as forças, no caso, o trabalho nas UPAs;
  • a oferecer investimentos na estrutura e capacitação de profissionais, por parte dos gestores.

Portanto é possível, desde que cada um faça sua parte. Desse modo que na hora de fazer o balanço, daqui alguns meses, tenhamos boas notícias a contar.

“Um sonho sonhado sozinho é apenas um sonho. Um sonho sonhado juntos é o princípio de uma nova realidade.” Helder Câmara e Juvenal Rossi

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